sexta-feira, 29 de junho de 2012

Recado a Manuel


Bandeira, te digo e tão simples:
A alma, eis a essência do amor.
Esqueces o corpo; ali, pura carne,
Matéria densa e vil, não traz-te mais nada,
Senão um enlevo efêmero.
Mas a alma, não...
Essa é desvelo da vida.
De sublimes gestos indescritíveis.
O amor não é corpo, Manuel;
É toda uma coisa que vibra
A uma frequência baixíssima...
                            Ínfima...
Que apenas se sente
Ebulir por entre os olhos
Quando se ama.
E a carne, nada tem com isso.
Só consuma a mera lascívia, que 
Sem antes nem depois, não existe.
Por isso insisto, Mestre.
Esqueces o corpo, o corpo é quem
Estraga o amor.

Duperron Carvalho

terça-feira, 19 de junho de 2012

Retalho


Poesia, carícia da alma
Pro mundo sem rumo
Dum ínfimo intimo
As sentidos de tudo
Que vive e que pulsa
E sonha ao sonhar
- O enlevo da vida
Poesia, oh querida
Permita-me amar.

Duperron Carvalho

sábado, 16 de junho de 2012

Tecendo um manhã


Um galo sozinho não tece uma manhã: 
ele precisará sempre de outros galos. 
De um que apanhe esse grito que ele 
e o lance a outro; de um outro galo 
que apanhe o grito de um galo antes 
e o lance a outro; e de outros galos 
que com muitos outros galos se cruzem 
os fios de sol de seus gritos de galo, 
para que a manhã, desde uma teia tênue, 
se vá tecendo, entre todos os galos.

João Cabral de Melo Neto.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Nudez



" Não  cantarei amores que não tenho,
E, quando tive, nunca celebrei.
Não cantarei o riso que não rira
E que, se risse, ofertaria aos pobres.
Minha matéria é o nada.
Jamais ousarei contar algo de vida:
Se o conto sai da boca ensimesmada,
É poque a brisa o trouxe, e o leva a brisa,
Nem sabe a planta o vento que a visita.

Carlos Drummond de Andrade


terça-feira, 12 de junho de 2012

Carne



O mundo em minha frente...
Universo...

                        Universo...

Em tudo que é pequeno.
                       
                           E sutil...
Universo infinito...
E absurdo como a carne,
Que me prende e me golpeia.
                            - Sempre a nuca.
Então perco o cerne...
E mergulho...

                            Me afogo...
No mundo infindo das coisas efêmeras
E vou ao tempo que voa- na valsa da vida
                                       Pra qualquer lugar...

Do universo mudo
Do infinito que não tem barulho.
Lugar sem muros...
                 Lugar ali.

Duperron Carvalho